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quinta-feira, 21 de junho de 2012

PotterMoore: o parque de diversões do escritor entediado.


Mesmo depois do fim da saga, o bruxo não tem paz. Não estou falando daquele amigo do Raul Seixas, mas do órfão, míope e bode expiatório dos planos de Dumbledore. Desta vez, o salvador de Hogwarts virou assunto de um sério estudioso da alta magia e escritor de quadrinhos, o sempre cabeludo Alan Moore.

Teve gente que, como eu, achou graça na notícia publicada na segunda-feira, no Globo, reproduzindo a reportagem do britânico The Independent - Alan Moore transforma Harry Potter no anticristo -, mas Juliana Giglio não foi uma delas. “Que os fãs me perdoem, mas eu tenho preguiça do Alan Moore”, diz ela. Pronto, estava aberto o debate. Gosto do cara, e imagino que por trás de tanta barba, cabelo e bigode, haja um espírito gaiato sempre pronto pra virar um mito de ponta-cabeça, pela farra de brincar com a coisa toda. Sei também que, ao usar a palavra "gaiato", metade dos seguidores de Moore me olharão torto, mas acalmem-se que a discussão mal começou.

Vinícius Marins entra na conversa para contar que, nos últimos anos, Moore tem mesmo sido mais conhecido por sua ranhetice, e por criticar os atuais quadrinhos americanos e o quanto a DC se aproveita do sucesso das obras que ele publicou pela editora. Existe fundamento nisso: a DC acaba de lançar minisséries estreladas pelos protagonistas de Watchmen com aventuras que se passam antes da obra do Moore.

O comentário aumenta o barulho das moças, Mariana e Juliana têm carinho especial pelo menino bruxo e Doris bota lenha na fogueira, provocando os nerds:

- Alan Moore, e também o Gaiman, são mestres em se apropriar de histórias dos outros para reescrevê-las. Pode ser que o senhor Moore esteja fazendo outra coisa considerada genial, para quem gosta do gênero. Mas acho suficiente que as histórias sejam apresentadas e o jornal inglês poderia perfeitamente fazer isso sem acirrar os ânimos.

Tatiana Laai acha que a polêmica é coisa mais da imprensa do que de Alan Moore, e até que faz sentido:

- Ele já brincou com o Potter no Lost Girls, por exemplo, e não lembro disso ter dado pano pra manga. Acho que o Moore anda meio ranzinza mesmo, mas daí a arrumar quizumba com fã de Harry Potter de graça, acho que não...

Vinícius e eu concordamos, achamos que tem dedo do sensacionalismo britânico no imbroglio, seja para movimentar as vendas de Moore ou trazer o nome de Potter à imprensa, e não acreditamos que isto vá denegrir as histórias do guri com o raio na testa.  Vinícius aproveita para dar uma aula (oba!):

- Essa graphic novel é a terceira parte da última aventura que Moore escreveu da Liga dos Cavaleiros Extraordinários, que já estrelaram um filme e tem seus fãs. Normalmente, quem gosta não conhece a obra original. A proposta da saga é mesmo mexer com grandes personagens da literatura que conviveriam em um mesmo universo.  Alan Quatermain, de As Minas do Rei Salomão, por exemplo, é um maníaco depressivo viciado em ópio.

Esta última saga foi dividida em três partes: Century: 1910, Century: 1969 e Century: 2009. Contam como a Liga agiu durante todo o século XX e dá amostras de como estariam agora no século XXI.  A capa da última parte, com a citação de Harry Potter, é esta:  


E eu, que adoro o humor iconoclasta desse inglês maluco, fecho esta rinha de gigantes com uma ideia: deveríamos desafiar o Alan Moore a fazer uma história totalmente diferente do universo que ele tanto gosta de revisitar. Vamos desafiá-lo a recriar um exemplar da nossa literatura de cordel, e em sextilha!


O que acham?
Alguém tem o e-mail dele aí?

terça-feira, 19 de junho de 2012

Tim Burton, nem tão estranho assim

A exposição Tim Burton é uma experiência difícil de não envolver o visitante. Tanto é assim que, logo na primeira sala, poucos são os que de fato demonstram surpresa diante de uma escultura com gengibre e olhos de plástico, feita por Tim Burton.

Desta forma, somos bem-vindos ao mundo do imaginário do cineasta na mostra originalmente organizada pelo MoMA de Nova York. A instalação temporária atualmente abrigada na cinemateca de Paris, que vai até 5 de agosto, é uma pequena pérola, que não se furta a brindar o visitante com as criaturas mais bizarras (e adoráveis) que Burton já criou, seja no papel ou no cinema.

Dentre homens com cachorros como olhos e versões primitivas do que um dia viria a ser Jack Skellington (protagonista d’O estranho mundo de Jack, de 1993), o passeio através das salas relativamente amplas da Cinemathèque é pontuado pela exibição de animações e filmes amadores do diretor, produtor, roteirista e escritor, além de trechos de seus grandes títulos: estão lá, por exemplo, cenas de A fantástica fábrica de chocolate, Sweeney Todd, Edward Mãos de Tesouras e até mesmo sua primeira direção live-action, o pouco conhecido no Brasil (e bastante estranho) Pee-Wee’s Big Adventure, de 1985.

Os títulos hollywoodianos também recebem atenção através de croquis, anotações de Burton e acessórios de cena (como uma réplica de topiaria de Edward, máscaras de Batman, as navalhas de Sweeney e alguns dos modelos de Noiva Cadáver, além de alguns dos bonecos da Fábrica de Chocolate (ligeiramente queimados e bastante perturbadores).

O último título do diretor – Sombras da Noite – também está presente, no final da seção dedicada a seus trabalhos cinematográficos: estão lá o colar do personagem de Depp e o vestido vermelho de Eva Green.

Mas o ponto alto parece ser mesmo a coleção de desenhos preliminares e artes conceituais de Burton. De rascunhos bastante crus a imagens refinadas, o visitante se torna espectador de seu processo criativo, que muitas vezes parte mais de imagens do que de textos: a veia de artista visual do diretor se faz presente através de traços e cores de seus cenários e de seus personagens.


Além disso, estão expostas algumas de suas páginas poéticas. Burton é autor de um livro de poesia infantil, chamado The melancholy death of Oyster Boy and other stories, no qual ele não deixa de lado sua marca mais característica: a mistura do macabro e do cômico.

Tim Burton faz jus ao homenageado, sem se focar em sua vida particular. O que interessa aqui é seu trabalho e sua galeria de personagens estranhos, verdadeiros outsiders que não tentam se encaixar. O que não deixa de ser um reflexo do homem por trás de tudo isso.



quinta-feira, 14 de junho de 2012

Não Uso Canudos


Os dias que precedem a agenda oficial da Rio+20 - a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD), que vai ocorrer no Rio de Janeiro entre 20 e 22 de junho -  oferecem uma série de eventos, organizados pelo Ministério do Meio Ambiente, para aqueles que desejam se interar sobre o tema.

O debate que assisti há dois dias discutiu o “Consumo Sustentável” e contou com a presença de personalidades internacionais, do economista Paul Singer, ícone da Economia Solidária no Brasil e do presidente do Instituto Akatu e conselheiro do “Planeta Sustentável”, Helio Mattar.

Segundo Helio, para que haja mudanças relevantes na forma de consumo, não basta que os meios de produção se tornem mais “verdes”, é preciso também que haja uma mudança na mentalidade da população, ou “sensiblização”, como o Hélio chama.  Um dos caminhos está em pensar sobre aquilo que se consome.

As palavras dele me fizeram lembrar de uma conversa que tive com um amigo há alguns meses. Ao ouvir falar de uma campanha liderada por alguns bares londrinos, a “Straw Wars” (guerras do canudo, literalmente), comecei a considerar o uso dos canudinhos de plástico um hábito extremamente supérfluo. 

Veja só: segundo dados do site da campanha, o strawwars.org/, há 3,5 milhões de consumidores diários de bebidas no Mc Donald`s, e isso somente no Reino Unido. Os milhões de canudinhos usados diariamente, como sabemos, são pedaços de plástico que vão parar nos oceanos, onde demorarão milhares de anos até que sejam completamente absorvidos pelo meio ambiente. Até lá, eles se desfazem na forma de “pellets”, pequenas partículas de aproximadamente 5mm, que se espalham pelos oceanos e acabam sendo ingeridas por peixes, pássaros e outras formas de vida marinha.

Os canudinhos, no entanto, desempenham um papel no cotidiano das pessoas. Além de mais higiênicos, especialmente quando ingerimos líquidos em latas, há quem diga que eles aguçam o paladar de algumas bebidas pois, quanto menor a quantidade de líquido por vez, mais ar circulando na boca, o que facilita a chegada de certos componentes presentes na bebida (os chamados COV - Compostos Orgânicos Voláteis) às cavidades nasais.

Provada a funcionalidade dos canudos, fica a dúvida sobre a real necessidade de seu uso. Será que o preço pago (e não estou falando dos centavos que eles custam no mercado) justifica o seu uso? Acato as ponderações de Helio Mattar: cabe ao consumidor refletir sobre os seus hábitos, principalmente os mais automáticos, sobre os quais não costumamos pensar. No meu caso, resolvi que o custo-benefício dos canudos não compensa, e já os aboli há muito tempo.


sexta-feira, 8 de junho de 2012

Ray Bradbury, o pai da Ficção de Idéias

por Vinicius Marins

Em um episódio dos Simpsons, está acontecendo uma eleição para monitor na sala de aula do Bart. O nerd da turma, Martin, se apresenta como candidato à vaga e promete exigir uma biblioteca para os alunos com as obras da “trindade ABC”: Isaac Asimov, Alfred Bester e Arthur C. Clarke, os grandes autores da ficção científica. Um estudante então pergunta: “E o Ray Bradbury?” Martin não dá importância para a questão e fala com desdém: “Estamos estudando o caso desse aí.”


Assim é visto Ray Bradbury por parte de aficionados ultra radicais da ficção científica: sua prosa seria excessivamente poética e boa parte de suas premissas não tinha fundamento científico. Além do mais, ele sequer fez curso universitário. Mas seus milhões de fãs pensam diferente:  ele está entre os mais queridos, os que mais produziram e que mais  foram traduzidos (36 línguas) e adaptados para outras mídias – principalmente para os  quadrinhos, gênero responsável pelo seu interesse pela fantasia e pela produção literária.

Bradbury publicava contos desde 1941, mas começou a se destacar com o lançamento do livro Crônicas Marcianas, em 1950, onde ele acrescenta histórias inéditas a vários contos já publicados, formando uma longa saga que narra os contatos da humanidade com Marte em várias ondas colonizadoras, por um período de pouco mais de 20 anos. O livro foi adaptado para rádio, TV e quadrinhos – esta versão, com arte de Dennis Calero, foi lançada no país este ano pela editora Globo. A edição mais recente do livro original é de 2007, pela mesma editora. 

Mesmo os fãs mais radicais não podem deixar de considerar sua obra mais conhecida, Fahrenheit 451, como uma das maiores do gênero FC  e das mais proféticas de todos os tempos. Lançada em 1953, fala sobre a mudança de paradigma causada pela popularização da TV - vídeos que podem ser assistidos em aparelhos de bolso, programas transmitidos em tempo real que filmam perseguições policiais, a vida íntima de uma família dentro de sua casa – e sobre a destruição de livros, para que nenhuma minoria se sinta ofendida.

O livro, também lançado pela Globo, cuja edição mais recente é de 2009, ganhou versão para o cinema pelas mãos do cineasta François Truffaut e possui uma adaptação em quadrinhos aprovada pelo autor, lançada no Brasil ano passado*. Outro livro seu adaptado para o cinema, que também virou cult, foi Uma Sobra Passou por Aqui *. Um de seus contos, Ícaro Montgolfier Wright (publicado no Brasil na coletânea E de Espaço, da editora Hemus), virou desenho animado e concorreu ao Oscar em 1962.


Bradbury fez vários roteiros de cinema e tem uma estrela na Calçada da Fama. É dele a consagrada versão de Moby Dick de 1956, dirigida por John Huston e estrelada por Gregory Peck. Ele nomeou revista em quadrinhos (Ray Bradbury Chronicles) e seriado de TV (Ray Bradbury Theatre), nos quais seus contos ganharam versões, e é influência assumida de grandes autores contemporâneos, como o inglês Neil Gaiman.

Ray Bradbury nasceu em 1920 e morreu no dia 6 de junho deste ano, aos 91 anos de idade. Sua obra vai permanecer enquanto a ficção científica for vista da forma como ele a definia: uma ficção de idéias.  Em um texto de apresentação, que figurou em várias de suas coletâneas, é ele próprio que melhor se define:

“Júlio Verne foi meu pai. H. G. Wells foi meu sábio tio.  Edgar Allan Poe foi o primo com asas de morcego que guardávamos lá em cima, na sala do sótão.  Flash Gordon e Buck Rogers foram meus irmãos e amigos. Aí está minha ascendência. Acrescentando, claro, o fato de que muito provavelmente Mary Wollstonecraft Shelley, autora de Frankenstein, foi minha mãe. Com uma família dessas, eu não poderia deixar de ser outra coisa: um escritor de fantasia e de curiosíssimas histórias de ficção científica”.