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terça-feira, 16 de julho de 2013

Sem contrato, sem conhecimento mútuo e separados por séculos

por Laura Tardin e Guilherme Schneider



Os meios culturais vivem se comunicando.  É um tal de livro inspirado em filme, filme inspirado em música, peça de teatro baseada em livro...  É claro que as músicas também haviam de ter inspiração, direta ou indireta, em obras literárias. A parceria de ideias existe sem contrato ou conhecimento mútuo - e alguns autores estão separados por séculos. Também podem acontecer espontaneamente, sem que as partes compartilhem seus interesses financeiros, sendo apenas uma forma de inspiração ou homenagem. São muitos os exemplos possíveis, divididos entre diversos estilos e origens musicais.  Aqui, citamos mais de 20 exemplos, separados em oito arquivos contendo faixas: um arquivo com músicas de rock e pop; o seguinte, contendo músicas brasileiras; e o terceiro, contendo músicas de rock pesado e metal.



1. Rush - Tom Sawyer  
O título e a narrativa da letra têm a ver com o herói criado por Mark Twain. O ritmo dá à música uma ideia de aventura, assim como ocorre nos três livros.

2. David Bowie - 1984  
Que Bowie é um dos artistas mais ligados em ficção (inclusive a científica), já sabemos.  O cantor inglês tomou base no livro 1984 para compor não somente a música homônima, mas todo o disco Diamond Dogs, lançado em 1974. Bowie queria iniciar uma produção cinematográfica baseada no livro de George Orwell, mas os detentores dos direitos autorais o impediram. Então, Bowie fez um disco cheio de referências na história de Big Brother. 1984 também serviu de referência para outras bandas, como Muse (The Resistance, álbum de 2009) e Incubus (Talk Show On Mute, 2004).

3. Simon and Garfunkel - Mrs. Robinson
A canção foi composta pela dupla e fez parte da trilha sonora do filme A Primeira Noite de um Homem, de 1967, baseado no livro homônimo (The Graduate, de Charles Webb, de 1963). A música é dedicada à Senhora Robinson, que trai seu marido com o protagonista, Benjamin Braddock.

4. Velvet Underground - Venus in Furs.
A banda dos anos 60 é cheia de referências às artes.  Além da capa do álbum de 1967 ter sido feita por Andy Warhol, o disco contava com uma canção de título Venus in Furs - assim como A Vênus de Peles, romance de Leopold Von Sacher-Masoch. A atmosfera da música é considerada sexy pelo baixista John Cale e a letra toca em temas do universo sado-masoquista, com botas de couro e açoites.

5. The Beatles - I Am the Walrus. 
Advinda da fase mais lisérgica da banda, I Am the Walrus surge no álbum Magical Mistery Tour, de 1967. As referências da música podem não ser precisas, vindas de sonhos e trechos de construção suspeita, e até os Beatles brincam com as suposições de sua interpretação. John Lennon visita Alice no País dos Espelhos, continuação de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll (1871 e 1865, respectivamente),  no trecho A Morsa e o Carpinteiro.  Na versão da Disney de Alice, há uma cena contendo os personagens. Outro fato curioso é que o rosto de Carroll aparece entre os que ilustram a capa do disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, de 1967.

6. The Libertines - The Narcissist
A letra critica as garotas modernas, preocupadas com consumismo e vaidade. “They’re just narcissists/Oh, what’s so great to be Dorian Gray every day?” Dorian Gray é o protagonista de O Retrato de Dorian Gray, escrito por Oscar Wilde em 1890. No livro, o belo protagonista vive por diversas gerações sem nunca envelhecer, já que sua alma e seus erros estão aprisionados dentro de um retrato dele.

7. Ramones - Pet Sematary. 
Stephen King escreve Pet Sematary (O Cemitério Maldito) em 1983, um de seus contos mais assustadores. O livro narra a história de uma família americana que descobre que mora próximo de um cemitério de animais, construído sobre um antigo cemitério indígena.  Ali, é possível trazer à vida animais mortos, o que traz diversos problemas aos atormentados Creeds e seus filhos.  King era fã e amigo dos Ramones quando, em 1989,  é lançado um filme baseado no livro.  Quem compõe a trilha sonora é ninguém menos que a banda nova iorquina. A tríade se fecha quando os Ramones lançam em seu álbum Brain Drain, de 1989, uma canção também chamada Pet Sematary, cuja direção do videoclipe teve uma mãozinha do escritor de terror. Portanto, clipe, música, filme e livro têm tudo a ver.

8. The Police - Don’t Stand so Close to Me.
Sting, cantor e baixista, foi professor antes de fazer parte da banda britânica. A letra conta a história de um professor assediado por jovens alunas, embora Sting negue que a narrativa seja autobiográfica. Ele afirma que é inspirada no livro Lolita, escrito pelo russo Vladimir Nabokov em 1955. Há referências mais diretas à obra em músicas da banda The Veronicas ou na canção de Lana Del Rey.

9. Kate Bush -  Wuthering Heights. 
A cantora tomou base em Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë.  Tendo visto o filme e lido o livro ainda aos 18 anos, Bush descobriu que fazia aniversário no mesmo dia de Brontë e compôs sua canção mergulhada na obra. Heathcliff, It's me, Cathy, I've come home/I'm so cold, let me in-a-your window”, canta Bush. A letra tem a personagem Catherine Earnshaw como narradora.  No livro, Cathy é apaixonada por Heathcliff, mas se afasta dele para se casar com Edgar por motivos financeiros. A canção tem como premissa uma súplica feita de Cathy a Heathcliff para voltar, e a letra é simplesmente Morros Uivantes por inteiro.

10. The Cure - Killing an Arab. 
O Estrangeiro, livro de Albert Camus, inspirou diversas outras obras, entre elas A Revolta dos Dândis, do grupo brasileiro Engenheiros do Havaí. Na canção escrita por Robert Smith, líder da banda The Cure,é descrita uma cena de assassinato na praia, a mesma em que Meursault, personagem de Camus, atira contra um árabe num mesmo cenário (falamos sobre isso na marreta Plataforma, de Michel Houellebecq)







1. Pitty - Admirável Chip Novo. 
A cantora baiana inspirou-se em Admirável Mundo Novo, livro de 1932 do autor Aldous Huxley, para compor um álbum cheio de referências. A canção-título descreve um hipotético futuro no qual as pessoas têm ações pré-condicionadas para que prevaleça a harmonia entre homens e regras sociais - “pense, fale, compre, beba, leia, vote, não se esqueça”. O livro também deu margens a outros títulos nacionais, como Admirável Gado Novo, de Zé Ramalho.

2.  Caetano Veloso é um grande caso da música brasileira que se encaixa aqui. Dentre suas inúmeras faixas, ele homenageia diversos poetas, usando suas obras em trechos ou em letras inteiras. No caso de O Navio Negreiro, canta e interpreta com sua irmã, Maria Bethânia, o poema do também baiano Castro Alves.  A obra, escrita em 1869 pelo poeta de apenas 22 anos, faz parte da terceira parte do Romantismo Brasileiro, citando questões abolicionistas. Já na música Os Argonautas, são lembrados os versos do português Luís de Camões e as palavras de Fernando Pessoa, no famoso trecho “navegar é preciso, viver não é preciso”. Em outro caso, Caetano cita Gregório de Mattos, o Boca do Inferno brasileiro, em sua bela canção Triste Bahia, baseada num poema homônimo. 

3. Djavan - Alegre Menina. 
A canção é interpretada por Djavan, mas foi composta por Dorival Caymmi. Serviu como trilha sonora da novela Tieta, baseada em Tieta do Agreste, obra de Jorge Amado. Recentemente entrou também na trilha da minissérie Gabriela, inspirada na também obra de Amado, de 1958, Gabriela, Cravo e Canela.

4.  Legião Urbana - Monte Castelo. 
A canção de Renato Russo é um diálogo com o texto do apóstolo Paulo, contido na Bíblia, e com o Soneto 11 de Luís de Camões (“o amor é fogo que arde sem se ver...”).  O título é uma referência à batalha de Monte Castelo, realizada na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, onde os pracinhas, soldados da Força Expedicionária Brasileira - FEB , foram, em sua maioria, dizimados.

5. - Lobão - A Hora da Estrela
A música, lançada no disco Nostalgia da Modernidade, de 1995, leva o mesmo título do último livro publicado pela escritora Clarice Lispector, de 1977.





1. Iron Maiden. 
A banda britânica simplesmente vale pelo conjunto da obra, privilegiando especialmente escritores e obras inglesas. Murders of the Rue Morgue faz menção ao livro Os Assassinatos da Rua Morgue, de Edgar Allan Poe. The Sign of the Cross se relaciona com O Nome da Rosa, de Umberto Eco.  Brave New World, álbum de retorno de Bruce Dickinson à banda, fala de O Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Lord of the Flies homenageia O Senhor das Moscas, de William Golding. Existem outras dezenas de referências, que vão de filmes até a Rainha da Inglaterra.

2. Metallica. 
A banda homenageia o autor H.P. Lovecraft em faixas como The Call of Ktulu, The Thing that Should Not Be e All Nightmare Long. Outras bandas de metal, tais como Iron Maiden e Black Sabbath, também homenageiam o autor americano.

3.Nirvana - Scentless Apprentice. 
A letra é baseada num dos livros favoritos do cantor Kurt Cobain, O Perfume, de Patrick Süskind, publicado em 1985 (veja a marreta deste livro). A canção é a única do álbum In Utero, lançado em 1993, a ser escrita por todos os componentes da banda, e não somente por Kurt. A obra literária também teve influência em outras músicas, como Du Riechst so Gut, da banda alemã Rammstein - título que quer dizer, justamente, “você cheira tão bem”.

4. Guns n’Roses - Catcher in the Rye. 
Lançado na nova fase do Guns, a música, com o mesmo título de O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger, cria uma ponte entre Mark Chapman e o livro. O assassino de John Lennon portava O Apanhador ao cometer o crime (veja a marreta sobre o livro)
5. Blind Guardian. 
Praticamente,  a banda faz homenagem a J.R.R. Tolkien e sua obra. Em 1998, é lançado o álbum Nightfall in Middle Earth, baseado inteiramente no livro O Silmarillion. No disco Somewhere Far Beyond, cujo título foi inspirado na série The Dark Tower, de Stephen King, são lançadas duas partes de The Bard's Song - In the Forest ou The Hobbit, também baseadas em Tolkien. Outras bandas fazem referências a mundos fantásticos, como Rhapsody.
6. Achilles, Agony And Ecstasy In Eight Parts - Manowar
A maior música da banda, com nada menos de 28 minutos, conta, em 8 atos, a história da ira de Aquiles, texto atribuído a Homero em Ilíada. Também pensando em Homero, a banda Symphony X lançou em 2002 o álbum The Odyssey, cuja faixa título tem mais de 24 minutos.
7.  Led Zeppelin. 
A banda conta com algumas discretas, mas importantes citações ao autor J.R.R. Tolkien. A letra de Ramble On, música do cd II, de 1969, cita “Was in the darkest depths of Mordor, I met a girl so fair/ But Gollum, and the evil one crept up and slipped away with her”. Alguns comparam a letra de Battle of Evermore com o livro O Retorno do Rei, último livro da trilogia de O Senhor dos Anéis, a partir de seus cenários e personagens épicos. Também há quem diga que Misty Mountain Hop contém referências a O Hobbit.

8. Pink Floyd - Animals
É a partir do lançamento deste álbum que a banda inglesa passa a usar um porco gigantesco em seus shows. Assim como outros álbuns, Animals, de 1977, lança diversos conceitos que servem para questionar. Baseado na obra de George Orwell, A Revolução dos Bichos, o álbum do Floyd critica o capitalismo praticado na Inglaterra dos anos 70. O porco é uma referência aos principais personagens do livro de 1945,e assim aparecem nos títulos das músicas: Pigs on the Wing, Dogs, Pigs (Three Different Ones), Sheep, Pings on the Wing (Part II). As referências da histórica banda não pararam, é claro. Dizem por aí que o filme O Mágico de Oz, baseado no livro com o mesmo título de L. Frank Baum, fica perfeitamente sincronizado se exibido junto com o álbum The Dark Side of the Moon, de 1973.