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terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Racionais MC's - Cores e Valores



por Thiago Ortman



Após 12 anos de hiato, Racionais Mc's, o mais importante grupo de hip hop brasileiro, retorna com uma nova sonoridade.  E como de costume, as mudanças não foram bem aceitas, ainda mais pelo público do rap, que é tão fiel ao seu estilo de vida.

Com cinco faixas em aproximadamente quatro minutos, o grupo abre Cores e Valores já mostrando a que veio. A ideia de faixas longas e álbuns enormes, sendo o anterior duplo (Nada Como Um Dia Após o Outro Dia), nem passam perto do novo trabalho: entre as faixas, somente uma ultrapassa os quatro minutos. As canções curtas somadas à notícia do lançamento relâmpago geraram dúvidas entre os fãs: muitos acreditaram (e ainda acreditam) que as canções veiculadas não fazem parte da versão final do disco, e são uma espécie de teaser. O fato das cinco primeiras faixas não alcançarem nem 1 minutos cada, poderia ser apenas uma amostras do que estaria por vir. A verdade é que o disco é dinâmico e em pouco mais de 30 minutos,  definitivo.


A marca do grupo de utilizar samples que reverenciam Tim Maia, Cassiano e outros ícones da black music nacional ficou restrita a passagens mínimas do álbum – como na última canção Eu te proponho.  Em Cores e Valores, os Racionais trazem a trap music como referência maior, estilo musical com letras diretas (para não dizer agressivas) e ritmo acelerado, marcado por sub-graves. Difundido no início dos anos 90, foi redescoberto por DJs da seara eletrônica e do hip hop por volta do início da década atual. Artistas que vão de Jay-Z e Kanye West (H.A.M.) à Katy Pery (Juicy) experimentaram o estilo em suas canções.

Em 12 anos seria impossível esperar pelos mesmos Racionais. O próprio hip hop já não é mais um estilo que somente comunica o cotidiano da periferia. Artistas como Emicida e Criolo relatam outras questões, e relacionam outros estilos musicais com o rap, especialmente o segundo.  Além disso, a febre de artistas que cunharam o chamado rap ostentação (e também o funk) nos últimos anos não tem fim. E nesse movimento, os Racionais Mc's podem assumir uma contribuição direta no álbum de 2002, com a reverenciada faixa Vida Loka (Parte II).



Em Cores e Valores, as boas e velhas letras de protesto social e racial se dividem com aquelas que carregam uma nostalgia. O momento que sinaliza essa transição está nas faixas A praça e O mau e o bem.  Até a décima música, o disco oferece um som mais direto e ligado à já citada trap music. A Praça faz menção ao acontecimento da Virada Cultural de 2007, quando o show do grupo – que durou menos de 30 minutos – terminou em um conflito entre jovens e policiais. A crônica claramente repudia a ação policial e a maneira sensacionalista como os veículos de comunicação anunciaram o evento – reiterando a alcunha dada ao grupo: Os Quatro Pretos Mais Perigosos do Brasil. Com a canção seguinte,  O mau e o bem, o álbum adentra o universo da charme/funk music, com letras que relatam momentos passados na vida dos rappers, e segue nessa levada até o fim - momento alto para Quanto vale o Show.




Todos os lançamentos dos Racionais têm um “caminho” semelhante. Repercutem para todas as esferas, muitas vezes sendo condenados por uns e outros – entre fãs e críticos. Mas passam-se os meses, o trabalho começa a ter seu real valor musical reconhecido, e mesmo os “do contra” começam a dar o braço a torcer. Dessa vez, talvez, a mudança será mais difícil de ser aceita pelos fãs mais antigos do grupo. Afinal, poucos poderiam esperar uns Racionais citando 50 Cent (rapper americano contestado pelo próprio meio) no novo álbum (Eu compro) e realizando shows em locais bem longe da periferia.